O Cósmico e o Sagrado: Desvendando a Conexão Astral dos Orixás com os Planetas, Santos e Deuses Ancestrais

Desde que os primeiros humanos olharam para o céu noturno, a dança silenciosa das estrelas e o movimento majestoso dos planetas têm sido uma fonte inesgotável de admiração, mistério e inspiração. Vistos como faróis celestiais, esses corpos celestes foram associados a deuses, mitos e forças primordiais que moldam o destino. No coração do Brasil, a Umbanda Sagrada, uma religião rica em sincretismo e sabedoria, oferece um mapa fascinante dessa conexão cósmica, alinhando a vibração de seus Orixás com as energias planetárias.

Este artigo mergulha nas profundezas dessa teia celestial, explorando como Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e o poderoso Plutão se conectam não apenas com os Orixás, mas também com os santos católicos e um panteão de divindades ao redor do mundo. Unindo os conhecimentos teológicos da Umbanda, em especial os fundamentos trazidos por Rubens Saraceni, com a sabedoria da astrologia e os fatos da astronomia, vamos desvendar as afinidades energéticas que unem o sagrado na Terra ao balé cósmico do universo.

A Regência Planetária na Umbanda Sagrada: Uma Sinfonia Vibracional

Na cosmologia da Umbanda Sagrada, nada é aleatório. Cada Orixá é um mistério divino, uma manifestação de Deus (Olorum) que rege um aspecto específico da natureza e da vida humana. Essas regências se estendem para além do plano terrestre, encontrando uma correspondência vibracional direta com os planetas do nosso sistema solar. Não se trata de uma relação de subordinação, mas de uma sintonia fina, onde a energia arquetípica de um planeta ressoa com o campo de atuação de um Orixá.

O Sol e a Lua: Os Luminares da Criação

Embora não sejam planetas, o Sol e a Lua são os pilares da astrologia e possuem um papel central nesta cosmologia, representando os polos primordiais da existência.

  • Sol, o Astro-Rei de Oxalá: Fonte de toda a vida, luz e consciência em nosso sistema, o Sol encontra seu par perfeito em Oxalá, o Orixá maior, associado à criação do mundo e da humanidade. Sua energia é a da paz, da pureza, da fé e da elevação espiritual. Assim como o Sol ilumina a todos indiscriminadamente, a vibração de Oxalá busca trazer clareza e paz a todos os corações. No sincretismo, ele é associado a Jesus Cristo, a luz do mundo para os cristãos. Em outras culturas, sua majestade é ecoada por Apolo/Hélio (Greco-Romano), Surya (Hindu) e (Egípcio).
  • Lua, o Espelho d’Água de Iemanjá: A Lua, com suas fases que governam as marés, as emoções e o feminino, é o domínio de Iemanjá, a grande mãe dos mares. Sua energia é a da maternidade, do acolhimento, da proteção e do inconsciente. Assim como a Lua reflete a luz do Sol, Iemanjá nutre e ampara a vida gerada por Oxalá. O sincretismo a liga a Nossa Senhora dos Navegantes. Sua contraparte mitológica é encontrada em Ártemis/Diana (Greco-Romana) e Chandra (Hindu).

Mercúrio: O Mensageiro do Conhecimento e da Comunicação

Astronômicamente, Mercúrio é o planeta mais rápido, o que o torna um mensageiro ágil. Astrologicamente, ele rege a mente, a comunicação, a lógica, o raciocínio e o conhecimento.

  • Orixá Regente: Oxóssi: Essa energia mercurial ressoa profundamente com Oxóssi, o Orixá das matas, da caça, do conhecimento e da fartura. Oxóssi é o grande estrategista, o observador arguto que usa a inteligência (a “flecha” do pensamento) para atingir seu alvo (o conhecimento). Ele rege a busca pela sabedoria, a curiosidade e a expansão do saber. Seu sincretismo é com São Sebastião, o soldado que, com suas flechas, representa a fé que perfura a ignorância. No panteão mundial, ele se alinha a Hermes/Mercúrio (Greco-Romano), o mensageiro dos deuses, Budha (Hindu) e Thoth (Egípcio), o deus da escrita e da sabedoria.

Vênus: A Vibração do Amor, da Beleza e da Fertilidade

Vênus, a “joia do céu”, visível ao amanhecer e ao entardecer, é o planeta do amor, da harmonia, da beleza, das artes e da união. Sua energia é magnética, criativa e agregadora.

  • Orixá Regente: Oxum: A dona dessa vibração na Umbanda é Oxum, a Orixá dos rios e cachoeiras, do ouro, do amor e da fertilidade. Ela é a personificação da beleza, da sensualidade e da capacidade de gerar e nutrir. Sua energia rege os relacionamentos, a autoestima e a prosperidade. No sincretismo, é associada a diversas Nossas Senhoras, como a da Conceição e Aparecida. Sua correspondência divina se encontra em Afrodite/Vênus (Greco-Romana) e Freya (Nórdica).

Marte: A Chama da Ação, da Coragem e do Conflito

O “planeta vermelho”, cuja cor se deve à oxidação do ferro em sua superfície, é associado desde a antiguidade ao sangue e ao fogo. Astrologicamente, rege a energia da guerra, da ação, da coragem, do impulso e da defesa de território.

  • Orixá Regente: Ogum: Ninguém encarna melhor a energia marciana do que Ogum, o Orixá ferreiro, senhor dos caminhos, da tecnologia e da guerra justa. Ogum é a força que abre estradas, que quebra demandas e que luta pela lei e pela ordem. Ele é o pioneiro, o desbravador que age com impulso e determinação. Seu sincretismo com São Jorge, o santo guerreiro que derrota o dragão, é um dos mais populares no Brasil. Mitologicamente, ele é Ares/Marte (Greco-Romano), Tyr (Nórdico) e Hórus (Egípcio).

Júpiter: O Gigante da Expansão, da Justiça e da Ordem

O maior planeta do sistema solar, Júpiter, tem uma presença gravitacional que protege a Terra de muitos asteroides. Sua energia arquetípica é igualmente grandiosa e protetora. Rege a expansão, a sorte, a justiça, a filosofia, a religião e a ordem.

  • Orixá Regente: Xangô: Essa vibração de realeza e justiça é o domínio de Xangô, o Orixá do trovão, das pedreiras e da justiça divina. Com seu machado de duas lâminas (Oxé), ele representa o equilíbrio, a ponderação e a aplicação da lei de causa e efeito. Ele é o grande legislador do panteão. No sincretismo, é associado a São Jerônimo ou São João Batista. Seu poder ecoa em Zeus/Júpiter (Greco-Romano), Thor (Nórdico) e Amon-Rá (Egípcio).

Saturno: O Senhor do Tempo, da Estrutura e da Lei Cármica

Saturno, com seus impressionantes anéis que simbolizam limites e estrutura, é o grande mestre do tempo. Astrologicamente, é o planeta da responsabilidade, da disciplina, do amadurecimento, das grandes transformações através do esforço e, crucialmente, do carma.

  • Orixá Regente Principal: Obaluayê/Omolú: A energia densa, ancestral e estruturante de Saturno está primariamente ligada a Obaluayê (a forma jovem) e Omolú (a forma mais velha), o Orixá da terra, da saúde, da doença e da transmutação. Ele é o “Senhor da Passagem”, que rege o fim dos ciclos, a passagem do tempo sobre a matéria e a decantação das experiências que nos levam à evolução. Ele é o senhor do carma, o Orixá que nos confronta com as consequências de nossos atos para que possamos nos curar e evoluir. Seu sincretismo se dá com São Lázaro e São Roque.
  • A Vibração Saturnina em Exu: Conforme apontam muitos estudos e tradições, a energia de Saturno também se manifesta poderosamente em Exu. Se Omolú é o tempo que passa, Exu é o guardião das leis desse tempo. A vibração saturnina em Exu aparece em seu papel de Guardião dos Limites e da Ordem. Ele guarda os portais e as encruzilhadas (limites). Mais importante, Exu atua como o executor da Lei Cármica. Ele é o agente cósmico que garante que a estrutura não seja violada e que a lei seja cumprida, trazendo a consequência exata para cada ação. Ele é o princípio de ordem no caos.

Os Planetas Transpessoais e os Orixás da Transformação Coletiva

Os planetas descobertos mais recentemente (Urano, Netuno e Plutão) governam energias coletivas e mudanças geracionais, representando transformações mais profundas da consciência.

  • Urano e a Renovação de Oxumaré: Urano, que gira “deitado” em seu eixo, é o planeta da rebelião, da quebra de padrões, da originalidade e da mudança súbita. Sua energia é elétrica e imprevisível. Essa vibração se alinha a Oxumaré, o Orixá do arco-íris e da serpente, que simboliza a renovação constante, o ciclo entre o céu e a terra, a dualidade e a transformação contínua. Seu sincretismo é com São Bartolomeu.
  • Netuno e as Profundezas de Iemanjá e Nanã: Netuno, o gigante gasoso de cor azul profunda, rege os oceanos, os sonhos, a espiritualidade, a ilusão e a compaixão universal. Sua energia é diluidora e transcendental. Embora Iemanjá já esteja ligada à Lua, sua regência sobre a vastidão do mar a conecta também a Netuno. Ao seu lado, encontramos Nanã Buruquê, a Orixá mais antiga, senhora dos mangues, da lama primordial e da sabedoria ancestral. Ela representa a decantação das emoções, as águas paradas que guardam os segredos do tempo, uma energia profundamente netuniana. O sincretismo de Nanã é com Sant’Ana.
  • Plutão e o Poder Transmutador de Exu: Plutão, o planeta anão que rege o que está oculto, o poder, a morte e o renascimento, encontra sua correspondência mais direta e poderosa em Exu. Como senhor das encruzilhadas e da comunicação, Exu é o agente que provoca o caos necessário para a evolução, trazendo à tona o que está no “submundo” da consciência para ser purificado e transformado. Sua energia é a da força vital (libido), dos tabus, dos segredos e da incrível capacidade de renascer das cinzas, um arquétipo perfeitamente alinhado à intensidade de Plutão e do signo de Escorpião.

Um Universo de Sentido e Conexão

A jornada pelas correspondências astrais dos Orixás, enriquecida pela complexidade de Orixás como Exu que vibram em mais de uma frequência planetária, nos mostra que a busca por conexão com o cosmos é uma característica universal da experiência humana. A sabedoria da Umbanda, consolidada por estudiosos como Rubens Saraceni, nos oferece um sistema coerente e profundo para entender essas forças.

Compreender essas afinidades vibracionais não é apenas um exercício intelectual; é uma ferramenta para o autoconhecimento. Ao reconhecer a lei de Saturno em Omolú e Exu, ou o poder transformador de Plutão também em Exu, podemos entender melhor as forças arquetípicas que atuam dentro de nós. A sinfonia dos planetas continua a tocar, e os Orixás, santos e deuses nos convidam a dançar conforme essa música cósmica, em um eterno ciclo de transformação, aprendizado e evolução.

Tabela Segundo às Obras de Rubens Saraceni

Energia Cósmica Orixá Maior Planeta/Carga Arquetípica (Linha Saraceni)
Geração Oxalá Sol/Terra
Ordenação Ogum Marte
Evolução Oxóssi Mercúrio ou Terra/Marte*
Amor Oxum Vênus
Justiça Xangô Júpiter/Saturno
Lei Obaluayê/Omolú Saturno
Iemanjá Lua/Vênus/Netuno**

Orixá Exu e Pomba Gira

Planeta Orixá/Umbanda Sagrada Santos/Divindades Correspondências/Observação
— transversal Exu, Pomba Gira Sem planeta fixo; energia presente em todo o sistema planetário, agente do movimento e comunicação universal, porém em algumas vertentes EXU esta associado a Saturno e a Plutão.

Importante

É importante destacar que as associações apresentadas neste artigo refletem uma síntese dos principais referenciais da Umbanda Sagrada e do pensamento de Rubens Saraceni, aliados a comparações arquetípicas amplamente reconhecidas em estudos mitológicos e esotéricos. No entanto, por se tratar de uma tradição viva, dinâmica e plural, as correspondências entre Orixás, planetas, santos e divindades podem variar bastante de acordo com a vertente religiosa, a linhagem familiar, o direcionamento espiritual do terreiro ou mesmo o olhar individual de cada sacerdote, estudioso ou médium. O objetivo deste texto é contribuir para o entendimento e o diálogo respeitoso, jamais estabelecer verdades absolutas. Assim, caso existam diferenças ou outras interpretações, elas apenas enriquecem o mosaico de saberes e mestres que fazem da espiritualidade uma jornada única e diversa para cada ser humano.

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