Estrutura e Funções dos Sete Reinos na Quimbanda: Entenda Como Operam Falanges, Exus e Pombagiras

A Quimbanda, culto de matriz afro-brasileira voltado ao trabalho de Exus e Pombagiras, possui um modelo organizacional rigoroso que contraria a percepção de prática desordenada. Sete grandes domínios espirituais, chamados de Reinos, sustentam toda a operação ritualística e definem a especialização das falanges — grupos de entidades que compartilham a mesma vibração e campo de atuação. Esse desenho hierárquico estabelece funções claras, distribui responsabilidades e garante que cada pedido feito em terreiro seja encaminhado ao setor adequado, evitando sobreposição de tarefas e desperdício de axé.

Hierarquia em Camadas

No topo de cada Reino há sempre um Exu Rei e uma Pombagira Rainha. Eles exercem autoridade máxima sobre os Povos, subdivisões intermediárias que, por sua vez, abrigam diversas falanges. O modelo se assemelha a um ministério com secretarias e departamentos: o Reino determina o território vibratório, o Povo direciona o foco de atuação e a falange executa o trabalho prático. Esse arranjo permite administração precisa de forças espirituais e facilita o controle de demandas, sejam elas de abertura de caminhos, cura, proteção ou transmutação de energias densas.

Conceito de Falange

Falange é o agrupamento de espíritos que atuam sob o mesmo arquétipo. Quando um terreiro chama por Exu Caveira, não convoca um indivíduo específico, mas uma coletividade que responde a essa patente espiritual. A nomenclatura indica padrão vibratório, especialidade de trabalho e grau de autoridade dentro do Reino correspondente. Cada membro mantém identidade própria, porém segue protocolos comuns, garantindo unidade de método e disciplina na execução das tarefas.

Sete Reinos e Áreas de Competência

Os Sete Reinos formam o eixo central da Quimbanda. Cada domínio cobre aspectos distintos da experiência humana e espiritual:

Reino das Encruzilhadas — rege caminhos, tomadas de decisão e inícios de jornada.
Reino dos Cruzeiros — lida com passagens, trocas e a sacralidade dos limiares.
Reino das Matas — atua na cura, no contato com ervas e no conhecimento oculto da floresta.
Reino da Calunga Pequena — governa cemitérios, morte simbólica e transformação energética.
Reino das Almas — cuida da ancestralidade, do equilíbrio emocional e do diálogo entre vivos e mortos.
Reino da Lira — relaciona-se com artes, prazeres e dinâmicas do comércio urbano.
Reino da Praia — trata de limpeza, fertilidade e potência das águas salgadas.

Essa segmentação amplia a eficiência do culto porque direciona a energia ao ponto exato de necessidade. Caso um consulente busque auxílio para superar luto, o pedido tende a ser encaminhado ao Reino das Almas, não ao Reino da Lira, cujo foco se volta a expressões artísticas e trocas sociais.

Povos e Especializações Internas

Dentro de cada Reino, os Povos acumulam saberes específicos. No Reino da Calunga Pequena, por exemplo, destacam-se o Povo das Catacumbas e o Povo das Covas. O primeiro domina tecnologias espirituais relacionadas à decomposição de cargas densas; o segundo opera na liberação de padrões estagnados. Esse detalhamento impede que múltiplas falanges interfiram num mesmo caso sem coordenação, o que poderia gerar sobrecarga ou conflito de ordens.

Ingresso e Tarefas dos Espíritos

Quando um espírito passa a integrar uma falange, recebe missões alinhadas ao grau de preparo. Entre as atribuições comuns estão: proteção do médium incorporante, orientação de consulentes em consultas, vigilância de regiões umbralinas e manutenção da ordem nos pontos de força do Reino. O desempenho criterioso fortalece o axé pessoal e coletivo, favorecendo futuras promoções na cadeia hierárquica.

Etapas de Ascensão

Ninguém nasce Exu Rei nem Chefe de Falange. O percurso padrão apresenta três estágios:

Espírito Iniciante — executa tarefas densas, ligadas a limpezas e cortes simples.
Espírito de Grau Intermediário — coordena pequenos grupos, participa de decisões do terreiro e aprimora o uso de elementos.
Espírito Coroado — após comprovar lealdade e competência, recebe coroa simbólica que lhe garante autoridade para chefiar outros espíritos.

A evolução está atrelada ao respeito às leis do Reino. Entidades que se desviam, aceitando oferendas sem propósito evolutivo ou prestando serviços de caráter destrutivo gratuito, podem regredir na escala de comando. O critério central é o equilíbrio entre poder de realização e responsabilidade ética.

Interdependência dos Sete Reinos

Os Reinos não funcionam de forma isolada. Um pedido envolvendo prosperidade, por exemplo, pode começar no Reino das Encruzilhadas (abertura de caminhos), transitar pelo Reino da Lira (dinâmica financeira) e finalizar no Reino da Praia (purificação de bloqueios). Essa sinergia demonstra que a Quimbanda atua como rede articulada, onde cada setor auxilia o outro ao percorrer etapas complementares do trabalho.

Pontos Riscados: Sistema de Codificação

O ponto riscado é a assinatura gráfica do Exu ou da Pombagira. Desenhado normalmente com pêmba, cria campo magnético que ancora a vibração da falange no plano físico. Suas funções principais incluem:

Identificação — revela Reino, Povo, falange e patente da entidade.
Ancoragem — estabelece portal de acesso para a energia operar no ambiente.
Condensação — direciona axé conforme a geometria do traçado.
Contrato — sela compromisso entre espírito e consulente sobre o objetivo do rito.

Principais Símbolos

Entre os elementos visuais mais usuais estão:

Tridente — símbolo de autoridade. Se reto, expressa força masculina de Exu; se curvo, reflete energia feminina de Pombagira.
Flechas — indicam direção e rapidez de execução.
Cruz — marca o encontro de planos e a atuação em campos de passagem.
Chave — representa poder para abrir ou fechar caminhos.
Sol e Lua — ligam-se respectivamente à consciência diurna e aos mistérios noturnos.
Círculo — delimita perímetro de atuação e cria escudo energético.
Ondas ou espirais — remetem ao Reino da Praia, sugerindo limpeza e movimento.

A leitura correta desses elementos exige treinamento. A posição de uma flecha em relação a um tridente, por exemplo, pode indicar se a força será usada para romper bloqueio ou para elevar a consciência do consulente.

Responsabilidade do Chefe de Falange

O Chefe de Falange controla protocolos, cores, pontos riscados e orientação geral do grupo. Só ele pode autorizar alterações em cantigas, grafias e arranjos no congá. Essa centralização assegura coerência operacional e impede práticas divergentes que fragilizem a egrégora. Sem aval do comando, todo contato com a linha corre risco de dispersão energética ou de falta de proteção adequada.

Exu Pagão e Exu Batizado

A diferenciação entre Exu Pagão e Exu Batizado ilustra o percurso de amadurecimento. O primeiro ainda atua de forma instintiva, com entendimento limitado das leis de causa e efeito. O segundo já foi submetido à doutrina, aceitou normas que regem o karma e direciona o poder para fins de equilíbrio e justiça. A transição é resultado de trabalho contínuo dentro das falanges e de conformidade com a ética do Reino.

Funções Práticas dos Reinos

Os Reinos refletem necessidades humanas. No cotidiano do terreiro, as demandas mais recorrentes distribuem-se da seguinte forma:

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Imagem: Internet

Caminhos e Decisões — levadas ao Reino das Encruzilhadas.
Passagens Rituais — encaminhadas ao Reino dos Cruzeiros.
Saúde e Limpeza Física — conduzidas ao Reino das Matas.
Transmutação de Energia Densa — tratada pelo Reino da Calunga Pequena.
Desequilíbrio Emocional — ajustado no Reino das Almas.
Questões de Sociabilidade — trabalhadas no Reino da Lira.
Purificação e Fertilidade — resolvidas no Reino da Praia.

O mapeamento demonstra que a Quimbanda possui foco tanto em urgências materiais (como emprego ou proteção) quanto em aspectos sutis (como cura de traumas ou fortalecimento de vínculos ancestrais).

Método de Distribuição das Demandas

Assim que um consulente apresenta seu pedido, o dirigente espiritual avalia qual falange detém competência técnica mais apropriada. A seleção observa afinidade vibratória, disponibilidade de agentes e complexidade do caso. Um mesmo trabalho pode implicar colaboração entre diferentes falanges; ainda assim, a coordenação central permanece clara para evitar contradições na execução.

Construção do Axé

O acúmulo de axé resulta de disciplina, cumprimento de ordens e respeito ao livre-arbítrio. Cada êxito aumentará o poder de realização da falange; cada erro ou abuso acarretará perda de força ou estagnação. Por esse motivo, é comum que entidades veteranas orientem novatos sobre condutas corretas, manejo de elementos e limites de atuação.

Rigor e Especialização

A divisão em falanges especializadas impede a dispersão energética. Num trabalho de separação de energias nocivas, por exemplo, a falange certa conhece a dosagem exata de fogo, erva ou ferro a ser aplicada. Já outra, focada em cura, optará por técnicas menos incisivas. Essa precisão reduz riscos e otimiza resultados, reforçando a visão de que a Quimbanda opera como ciência espiritual calcada em métricas específicas.

Importância do Entendimento Estrutural

Para médiuns e praticantes, conhecer a engrenagem interna evita equívocos usuais, como direcionar oferenda inadequada ou fazer pedido a entidade fora de sua jurisdição. Entender quem é responsável por cada setor aumenta a chance de atendimento efetivo e afasta práticas que poderiam violar protocolos ou sobrecarregar falange sem afinidade com a questão proposta.

Sistema de Treinamento Interno

O espírito que ingressa numa falange passa por processo contínuo de aprendizado. Recebe instruções dos Mais Velhos sobre:

• Domínio de elementos naturais.
• Leitura de destinos e linhas de probabilidade.
• Uso de cantigas e toques de atabaque como chaves de força.
• Interpretação avançada de símbolos nos pontos riscados.

Quanto maior a proficiência, maior a autonomia concedida pelo Chefe de Falange, refletindo promoção dentro da estrutura.

Patente e Alteração de Aparência

A ascensão pode manifestar-se na forma externa adotada pela entidade. Um Exu que concluiu estágio intermediário pode passar a usar objetos rituais mais elaborados ou apresentar modificações na vestimenta espiritual. Esses sinais visíveis auxiliam médiuns a identificar status hierárquico durante incorporação.

Critérios de Retrocesso

Casos de retrocesso ocorrem quando entidades se desviam das normas do Reino. Oferecer favores em troca de benefícios pessoais, sem alinhamento com evolução do consulente, é exemplo de uso indiscriminado de poder. Falanges que toleram tais práticas podem sofrer intervenção de instâncias superiores, com remanejamento de membros ou dissolução periódica do grupo até readequação.

Falange como Elo de Corrente

Cada espírito é visto como elo de uma corrente coletiva. Um único trabalhador não carrega todo o peso do serviço; ele compartilha responsabilidade com demais integrantes e tem respaldo dos superiores. O sistema garante continuidade do trabalho mesmo quando um membro precisa ausentar-se para reciclagem ou missão externa.

Integração com o Terreiro

O terreiro representa a base física de sustentação. Ali se instalam assentamentos, pontos riscados e objetos de poder que viabilizam comunicação entre plano material e os Sete Reinos. A conformidade da casa com a hierarquia espiritual é fundamental: ausência de disciplina no espaço físico repercute na ordem interna das falanges.

Benefícios para o Consulente

Para quem busca auxílio, a estrutura hierárquica oferece segurança e previsibilidade. O consulente pode confiar que seu pedido será estudado por especialistas na matéria, em vez de receber solução genérica. Esse filtro técnico tende a gerar resultados mais rápidos e a reduzir efeitos colaterais, já que cada etapa é calibrada segundo normas consolidadas.

Mapa das Experiências Humanas

Os Sete Reinos equivalem a um compêndio das principais necessidades humanas — do instinto de sobrevivência ao refinamento artístico, da saúde do corpo à continuidade da linhagem ancestral. Essa abrangência reforça o papel da Quimbanda como sistema que procura integrar plano físico e dimensões sutis, mantendo disciplina, ética e especialização como pilares de atuação.

Perspectiva de Evolução

No cerne da Quimbanda, o objetivo maior é promover crescimento de espíritos e consulentes. Ao avançar nos graus, a entidade amplia compreensão sobre leis universais, aprende a equilibrar opostos e torna-se guardiã de ordem e justiça dentro do Reino. Esse movimento ascensional beneficia simultaneamente o indivíduo espiritual, a falange e a comunidade humana assistida pelos trabalhos.

Fonte: Santomeco

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