Banhos preparados com folhas, talos, flores e cascas ocupam posição central em cultos de matriz africana no Brasil. Utilizados em comunidades de Umbanda, Candomblé e em diferentes nações afro-religiosas, esses rituais se destinam a limpeza energética, fortalecimento espiritual, proteção individual e celebração de vínculos com divindades e ancestrais. A prática, que atravessa gerações, conserva conhecimentos botânicos, reafirma pertença cultural e resiste a preconceitos que ainda cercam religiões afro-brasileiras.
Os registros sobre banhos rituais remontam aos primeiros terreiros formados por povos africanos e afro-descendentes que chegaram ao país sob o regime escravocrata. Ao preservar o uso de folhas associadas a Orixás, Nkisis, Voduns e guias espirituais, as comunidades mantiveram vivo um sistema simbólico que articula natureza, corpo e transcendência. Na prática, cada planta é compreendida como portadora de axé, termo iorubano que designa força vital capaz de ativar ou equilibrar energias.
Esses banhos cumprem três funções principais:
No contexto umbandista, banhos costumam ser indicados durante atendimentos espirituais realizados por Caboclos, Pretos-Velhos, Erês ou Exus. A prescrição varia conforme a necessidade do consulente. Um Caboclo pode recomendar eucalipto para renovar ânimo; um Preto-Velho, arruda e guiné para afastar influências negativas. As receitas são transmitidas oralmente, favorecendo integração entre médiuns, assistidos e frequentadores do terreiro.
Além do uso individual, banhos coletivos podem anteceder giras ou comemorações específicas, promovendo senso de acolhimento e de pertencimento. Esse compartilhamento de saberes reforça o caráter comunitário da Umbanda, religião fundada sobre princípios de caridade, disciplina moral e respeito à diversidade religiosa.
Nos terreiros de Candomblé, a utilização de folhas (em iorubá, ewé) está entre os fundamentos mais preservados. Os abô — banhos preparatórios — antecedem ritos de iniciação, obrigações anuais e festas públicas. Durante o processo iniciático, a pessoa recebe séries de banhos que purificam o corpo, acalmam a mente e o tornam receptivo ao axé dos Orixás.
Combinações de ervas frescas obedecem a critérios rígidos: cada divindade possui plantas específicas, cores correspondentes, cantigas próprias e gestos definidos para maceração, infusão ou imersão. O conhecimento botânico, guardado por babalorixás, ialorixás e erêwós (folheiros), constitui patrimônio imaterial responsável por garantir continuidade ritual e segurança litúrgica.
A dimensão coletiva também se manifesta no Candomblé. Partilhar banhos reafirma compromissos de hierarquia, solidariedade e respeito à memória ancestral. Ao mesmo tempo, salvaguarda inclusive a língua iorubá e expressões de origem bantu que acompanham cânticos e rezas durante a preparação dos banhos.
Cada folha “fala” dentro de uma lógica própria, determinada pela experiência acumulada em diferentes casas de culto. Exemplos recorrentes incluem:
A persistência desses saberes traduz ato de resistência cultural. Durante períodos de perseguição religiosa, usar plantas no cotidiano possibilitou que grupos afro-descendentes preservassem sua cosmologia de modo discreto, mesmo em ambientes hostis.
A forma de preparação segue princípios aceitos de modo amplo nos terreiros, embora detalhes possam variar conforme tradição ou orientação espiritual:
Imagem: Internet
Durante o banho, praticantes mantêm pensamento focado em intenção positiva: descarregar tensões, reforçar confiança ou atrair prosperidade, conforme a finalidade pretendida. A recomendação habitual dispensa sabão ou shampoo após o ritual, para que o axé permaneça no corpo.
Diferentes terreiros oferecem composições que se tornaram referência em várias regiões do país. Entre as mais conhecidas estão:
Pesquisadores de religiosidade popular observam que a manutenção dos banhos de ervas reforça solidariedade interna, preserva memória coletiva e combate estigmas sociais. Ao partilhar fórmulas, dirigentes e praticantes multiplicam laços de confiança, enquanto introduzem novos membros às bases filosóficas da religião. A prática também oferece recurso acessível de cuidado, pois envolve ervas encontradas em mercados livres ou cultivadas em jardins comunitários.
Em centros urbanos marcados por ritmo acelerado e sobrecarga psicológica, o banho ritual funciona como pausa deliberada. O ato de selecionar folhas, aquecer água e mentalizar propósitos cria momento de autocuidado que combina cultura tradicional e bem-estar contemporâneo. Dessa forma, religiões afro-brasileiras mostram capacidade de diálogo com demandas atuais sem abandonar fundamentos ancestrais.
Embora a Constituição Federal garanta liberdade de culto, comunidades de matriz africana ainda relatam casos de vandalismo a terreiros, discursos discriminatórios e tentativas de criminalização de seus rituais. A difusão de conhecimento sobre banhos sagrados contribui para desmistificar práticas frequentemente alvo de preconceito. Ao informar sobre processos, intenções e benefícios, líderes religiosos evidenciam compatibilidade entre suas tradições e valores de respeito ao ambiente, à saúde e à pluralidade cultural.
A perpetuação dos banhos depende da transmissão oral e também do registro escrito. Livros, pesquisas acadêmicas e materiais didáticos reforçam o patrimônio imaterial das folhas, oferecendo base para que futuras gerações compreendam origem, uso correto e significado simbólico das plantas. Mais que hábito litúrgico, trata-se de estratégia coletiva para assegurar continuidade de cosmovisão herdada de povos iorubás, bantus, jejes e de outras matrizes africanas que contribuíram para a formação cultural brasileira.
Especialistas em saúde ressaltam que algumas plantas podem provocar irritação cutânea ou reações alérgicas em pessoas sensíveis. Por isso, recomenda-se verificar possível contraindicação antes do uso. Ademais, não se deve ingerir soluções preparadas para banho nem combinar ervas de propriedades antagônicas sem orientação adequada.
Para fieis e simpatizantes, o respeito ao manejo de cada folha é parte essencial do ritual. Mentalizar objetivos alinhados a valores éticos, evitar descarte inadequado do resíduo e conservar ambiente limpo são atitudes que mantêm a integridade do axé. Ao seguir esses cuidados, praticantes reafirmam compromisso com a natureza, a comunidade e a própria fé.
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