A Umbanda nasceu no Brasil no início do século XX e combina elementos de tradições africanas, indígenas, espíritas e católicas. Apesar de reunir mais de um século de história, seus rituais e princípios ainda são pouco conhecidos por grande parte da população, acostumada à liturgia católica predominante no país. Quando um praticante da Umbanda tenta resumir a religião a alguém de fora, encontra dificuldades que vão da falta de referências visuais ao desconhecimento dos termos usados nos terreiros. Este texto reúne os principais pontos que costumam gerar dúvidas, descreve como funciona um culto, quem são os médiuns e quais espíritos se manifestam, além de explicar por que a participação é gratuita e como se organizam as doações.
O Brasil carrega mais de 500 anos de herança cristã, influenciada majoritariamente pela Igreja Católica. O imaginário coletivo associa celebrações religiosas a templos com altares, imagens de santos, bancos voltados para o fundo da nave e ritos estruturados em início, meio e fim, como a missa. Mesmo quem não pratica a fé católica normalmente identifica essa configuração. Em contraste, a Umbanda adota símbolos, músicas e dinâmicas que não se encaixam nesse modelo, tornando-se um desafio para quem precisa descrevê-la a partir de referências predominantemente cristãs.
O local de reunião dos umbandistas recebe diferentes nomes: Terreiro, Templo, Tenda ou Casa. Em linhas gerais, é uma área com um salão principal onde ocorrem as giras — sessões públicas de trabalho espiritual — e recintos de apoio, como camarins para médiuns, sala de preparação de oferendas e depósito de materiais litúrgicos. A disposição interna varia conforme as tradições de cada casa, mas costuma haver um congá (espécie de altar) que concentra imagens, velas e símbolos das linhas espirituais atendidas. O ambiente também inclui atabaques, bancos ou cadeiras para o público e espaço para circulação dos médiuns incorporados.
A gira é a cerimônia que reúne assistência (nome dado ao público), médiuns e dirigentes da casa. Não há um roteiro fixo obrigatório para todos os terreiros, porém certas etapas são comuns: abertura da sessão, defumação para limpeza energética, entoação de pontos cantados (músicas devocionais), chamada das entidades e atendimento espiritual. Muitos terreiros marcam giras em dias específicos da semana; no exemplo relatado, as reuniões ocorrem sempre às sextas-feiras à noite.
Ao chegar, o visitante costuma retirar uma senha que determina a ordem de atendimento. Durante a gira, os médiuns recebem a incorporação de entidades — espíritos considerados guias — e oferecem orientações aos consulentes. O atendimento é individual, possibilita confidencialidade e dura poucos minutos, adequados ao fluxo de pessoas.
Médiuns: praticantes preparados para receber a incorporação dos guias espirituais. Passam por períodos de estudo e desenvolvimento mediúnico antes de atender ao público.
Dirigente: responsável pela condução da gira, pela orientação doutrinária e pela manutenção da disciplina ritualística.
Assistência: termo que designa visitantes e frequentadores que buscam aconselhamento espiritual. A participação é aberta a iniciantes, sem necessidade de convite formal.
A Umbanda reconhece diversas linhas de trabalho espiritual, entre elas Pretos Velhos, Caboclos, Crianças (Erês) e Baianos. Cada linha expressa determinadas qualidades, histórias e vibrações. No caso citado, a gira de Pretos Velhos concentra espíritos associados a ex-escravos que viveram no Brasil. Essas entidades, representadas de modo simbólico, transmitem mensagens de paciência, humildade e superação de sofrimento. Durante o atendimento, usam linguagem simples, costumam sentar em banquinhos e empregar elementos como cachimbo ou rosário — sempre com caráter ritual e respeitoso.
O consulente dirige-se ao médium incorporado e expõe questões pessoais, dúvidas ou problemas. As entidades oferecem orientações morais, sugerem reflexões ou indicam práticas espirituais, como banho de ervas ou preces. Não há imposição de decisões, nem previsão de futuro nos moldes de oráculos ou cartomantes. O foco recai sobre esclarecimento e fortalecimento interior, comparável, em certo nível, a uma escuta terapêutica, porém dentro de um contexto religioso.
Princípios de caridade e gratuidade marcam a Umbanda. O atendimento ao público não é remunerado. Cada terreiro estabelece, contudo, formas de contribuição voluntária para custear despesas como limpeza, manutenção do espaço, compra de velas, flores e alimentos utilizados nas oferendas. É comum solicitar doação de materiais de limpeza, velas, prendas para rifas ou quantias em dinheiro — sempre de maneira facultativa. O consulente escolhe se quer e quanto pode ofertar.
Atabaques acompanham todo o rito, marcando o ritmo dos pontos cantados. As músicas invocam entidades, reverenciam orixás e criam ambiente receptivo para a incorporação. Cada linha espiritual possui pontos específicos, reconhecidos pela melodia, letra e batida. Durante a gira, cânticos se alternam com momentos de silêncio, formando cadência própria da cerimônia.
O congá, situado na parte frontal do salão, exibe imagens de santos católicos sincretizados com orixás, além de velas acesas e flores. Esse conjunto não equivale a um altar católico nem segue sua simbologia, mas serve como ponto de concentração de forças espirituais para a corrente mediúnica.
A gira inicia-se geralmente com toques de atabaque e oração de proteção ou saudação aos guias. Em seguida, médiuns e assistência participam de defumação, passagem por fumaça de ervas queimadas que visa purificar o ambiente. O dirigente explica brevemente qual linha trabalhará naquela noite, orienta sobre o uso de senhas e reforça a conduta de respeito e silêncio durante os atendimentos.
Quem comparece pela primeira vez costuma receber instruções simples: vestir roupa clara, evitar itens perigosos ou perfumaria excessiva e manter o celular desligado. Os dirigentes esclarecem que não se trata de espetáculo; por isso, não se permite fotografar ou filmar sem autorização. A gira prioriza o fluxo ordenado: quando o consulente for chamado, deve aproximar-se do médium, expor a questão e aguardar a resposta.
Imagem: Internet
A Igreja Católica organiza a missa com leituras bíblicas, homilia, consagração e comunhão, distribuídas em ordem fixa. Na Umbanda, não há liturgia única válida para todos os terreiros, mas cada casa segue orientações próprias que mesclam cânticos, toques e aconselhamento mediúnico. Enquanto o padre conduz toda a celebração, na Umbanda vários médiuns trabalham simultaneamente, cada qual incorporando entidades diferentes. Em vez de bancos voltados para um altar único, a assistência ocupa espaços laterais ou circulares, permitindo livre trânsito no salão durante o atendimento.
Apesar de crescer em número de praticantes, a Umbanda ainda enfrenta desinformação. O desconhecimento pode gerar receio quanto à incorporação de espíritos ou ao uso de símbolos afro-brasileiros. Muitos terreiros, por isso, incentivam visitantes curiosos a participar de giras abertas, nas quais dirigentes prestam esclarecimentos preliminares e acompanham de perto quem entra pela primeira vez. A principal orientação é observar com respeito, tirar dúvidas ao final e, caso deseje, retornar para novo atendimento.
As entidades podem orientar sobre desafios familiares, dúvidas de trabalho, sentimentos de angústia e questões de saúde espiritual. É comum sugerirem banhos de ervas, rezas, leitura de orações ou participação em giras futuras. Algumas indicam que o consulente busque também ajuda médica ou psicológica, reforçando que práticas espirituais não substituem cuidados clínicos.
Quando a gira é dedicada aos Pretos Velhos, o ambiente assume atmosfera serena, marcada por pontos que destacam sofrimento, paciência e sabedoria. As entidades costumam conversar em tom calmo, usar expressões humildes e enfatizar perdão e esperança. O consulente normalmente se senta num banquinho baixo à frente do médium, simbolizando aproximação respeitosa. Entre os elementos rituais, destaca-se o cachimbo, utilizado para espalhar fumaça de defumação durante os passes energéticos.
Após conversar com a entidade, o participante retorna ao assento, absorve as orientações e pode acompanhar o restante da gira. No fim, os dirigentes convidam todos a rezar ou cantar um ponto de encerramento. O clima procura reforçar sensação de leveza e acolhimento. Frequentadores relatam saírem convencidos de que receberam aconselhamento construtivo, independentemente de eventual religiosidade anterior.
Sem cobrança obrigatória, as casas dependem de doações espontâneas de frequentadores e da contribuição fixa de médiuns, que participam da manutenção mensal. Rifas, bingos e almoços beneficentes também ajudam a cobrir despesas. Os recursos financiam reformas, contas de consumo, compra de velas, panos de chão, flores e objetos litúrgicos. A autonomia financeira preserva o princípio de que a orientação espiritual não é mercadoria.
Pessoas que desejam iniciar-se na corrente mediúnica devem manifestar interesse ao dirigente. Em geral, passam por período de observação e estudo da doutrina, aprendendo cânticos, fundamentos de energia e responsabilidades associadas à mediunidade. Só depois ingressam em turmas de desenvolvimento, nas quais praticam defumação, toques, passes e incorporam entidades em ambiente controlado. O processo varia, mas exige comprometimento com princípios éticos, disciplina e assiduidade.
Cada ponto cumpre função específica: louvar a entidade, pedir proteção ou agradecer favores. O ritmo conduz a vibração do terreiro, acompanha a incorporação e estabelece tempo para movimentação dos médiuns. Os toques nos atabaques seguem convenções que distinguem linhas de trabalho. O aprendizado desses cânticos faz parte da instrução dos médiuns e auxilia a assistência a acompanhar as letras e as palmas.
Quem nunca foi a um terreiro costuma relatar receio inicial, motivado por falta de conhecimento sobre incorporação. Dirigentes explicam que o fenômeno ocorre de modo consciente, sem perda total de sentido do médium, e segue regras de segurança. Entidades não expõem intimidades em público nem fazem exigências que contrariem a vontade do consulente. A orientação é procurar um terreiro conhecido por amigos ou familiares, observar o ambiente e, só então, decidir se deseja voltar.
A Umbanda compartilha traços musicais e uso de atabaques com o Candomblé, mas difere na forma de culto, no sincretismo com santos católicos e no foco no atendimento ao público como aconselhamento. Também se distingue do Kardecismo, embora adote princípios de caridade e comunicação com espíritos, por incluir cantos, danças e oferendas materiais. Em síntese, a Umbanda constrói identidade própria ao mesclar influências e priorizar a prática da solidariedade.
Diversos fatores explicam o desconhecimento: domínio da matriz cristã, preconceito histórico contra expressões africanas, falta de representação positiva na mídia e ausência de conteúdo didático sobre religiões de matriz afro-brasileira. Ao mesmo tempo, a internet e relatos de frequentadores ampliam a visibilidade dos terreiros. Iniciativas de visitas guiadas, palestras abertas e encontros inter-religiosos tentam reduzir distanciamento e promover diálogo.
Explicar a Umbanda exige traduzir termos próprios, ilustrar como funcionam as giras e frisar a gratuidade dos atendimentos. A religião convida visitantes a vivenciar a experiência antes de formar opinião. Para quem, como a personagem fictícia citada, sente curiosidade, a principal recomendação é acompanhar uma gira, observar respeito pelos ritos e tirar dúvidas com os dirigentes. Dessa forma, a Umbanda se apresenta não como ritual obscuro, mas como prática religiosa brasileira baseada em acolhimento, música e aconselhamento espiritual.
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